O problema é o carnaval.
No final de semana dos dias 13 e 14 de janeiro, o grande Rio sofreu enchentes devastadoras, principalmente na região da baixada fluminense e na zona norte da cidade. Até o último levantamento falava-se em onze óbitos, fora os dados econômicos e etc.
Não é para menos que as pessoas se preocupem, e é justificado que o clima fique mais pesado na cidade, que algumas pessoas decidam não sair para acompanhar a tragédia, prestar solidariedade a amigos e familiares, dentre outras possibilidades.
O que me incomoda é o recorrente arroubo moralista partindo de agentes específicos que criticam qualquer manifestação de felicidade. O famoso "tem gente sem casa e vocês aí curtindo o Carnaval".
Trata-se de uma fala mesquinha que não tem por objetivo ajudar ninguém tampouco produzir mais consciência política. O objetivo é muito claro pra mim: causar mal-estar, sentimento de culpa e contaminar os outros com a própria amargura e infelicidade.
Não estou dizendo que não há reflexões plausíveis, dentre elas eu citaria "você que está se divertindo agora, votou conscientemente, acompanha de alguma maneira os projetos de saneamento e infraestrutura e costuma se colocar ao lado da população mais pobre".
Porém, cancelar um bloco de Rua em uma região da cidade fora de ameaça, ou privar as pessoas de uma roda de samba não resolve nada e inclusive atrapalha o corre dos ambulantes da cidade. Trata-se apenas preconceito contra o Carnaval de Rua e contra o samba. Inclusive, não vi ninguém atacando eventos privados, shoppings centers e etc. Se for por essa linha, eu defendo que a medida seja fechar dodos os bares da Nelson Mandela em Botafogo e também da Dias ferreira no Leblon. Peças de teatro, apresentações de ballet, orquestras e shows de jazz precisarão deixar de acontecer. A Olegário Maciel precisará ser interditada e as piscinas de condomínio lacradas até a baixada e a zona norte do Rio terem as condições de infraestrutura e saneamento que o povo preto, pobre e periférico merece.
É importante entendermos que enviar dinheiro e alimentos é algo importante que vai ajudar as pessoas, mas que uma causa estrutural não pode ser resumida a caridade, precisamos cobrar ações concretas prévias que evitem esse tipo de coisa. Por mais que as chuvas sejam atípicas, sabemos que diversas regiões da baixada e da zona norte alagam todos os anos, sabemos que temos pessoas vivendo em regiões de risco o ano todo e nada é efetivamente feito para mudar isso.
Se cada folião mandar 100 reais ainda será insuficiente para resolver esse problema, se toda a zona Sul do Rio se voluntariar a ajudar com trabalho, pode acabar atrapalhando devido à falta de coordenação e treinamento adequado.
Lembrem-se que morre pobre e preto toda semana nesse país, que ativistas do meio ambiente são perseguidos, que povos indígenas estão sendo massacrados, que a ocupação criminosa na Palestina ainda não acabou, que milhares de mulheres e crianças sofrem abusos sexuais todos os dias, que gays, lésbicas e bissexuais são expulsos de casa e sofrem estupro corretivo, que travestis e transsexuais estão andando por aí com medo de serem mortos a qualquer momento.
Não se divirtam. Ainda mais em festa de rua. Acho que é melhor todo mundo se matar, pois o mundo é uma merda.